educação

Da Aprendizagem Significativa

Para que a aprendizagem seja de natureza significativa, ela precisa ter pelo menos uma das seguintes características: possuir uma forte carga emocional, resultar de repetidas exposições ao objeto de conhecimento e ter o foco no sentido do objeto do conhecimento. Ou seja, o foco está no entendimento do objeto, buscando fazer sentido dele ao buscar conexões entre suas características e informações ou experiências que já possuímos. Isso é fazer sentido do objeto do conhecimento. Dialogar com ele a partir de uma perspectiva própria, a partir de suas experiências e conhecimento já existente. O foco está no processo, e não no resultado, como é o caso de quando estudamos para ter bom desempenho em uma prova, por exemplo. 

Retomo a reflexão proposta por Jorge Larrosa (2002), em que ele propões o par experiência/sentido como uma forma de pensar o aprender. O aprendizado significativo se materializa além da mera recepção de informação e imediata emissão de uma opinião sobre essa informação recebida. Com efeito, Larrosa critica essa postura imediatista e até reducionista do ato de aprender, dizendo que hoje em dia, dado o volume de informação que nos bombardeia todos os dias, desenvolvemos uma espécie de postura parecida com a de um autômato, que assimila e reage à informação recebida de maneira muito rápida, sintética e individualizada, ou isolada dos outros. Larrosa nos fala da importância do se permitir a experiência do conhecimento, experiência essa que prescinde de tempo, de paciência, de abertura e de uma certa passividade, no sentido de que é preciso sentir e observar o que determinado conhecimento faz conosco, ou que experiência ele nos propicia. 

Maturana e Varela (1984) argumentariam que a aprendizagem significativa seria análoga ao processo em que o ser vivo internaliza elementos de seu meio-ambiente, tornando-os parte de si mesmo, metabolizando a informação/conhecimento de maneira a transformar sua própria estrutura. É uma forma de apropriação do conhecimento, em que ele se torna parte de nossa estrutura, garantindo assim a auto-reprodução/renivação/reorganização de nossa estrutura. É por isso que aprender é manter-se vivo, segundo a visão da autopoiese. 

Gaston Bachelard e os Obstáculos à Aprendizagem

 

Gaston Bachelard (1884-1962)

Gaston Bachelard (1884-1962)

Segundo Gaston Bachelard (1996) conhecer é criar uma metáfora do real. Nesse sentido, faz-se necessária a consciência de que o sujeito que busca conhecer interfere e transforma o objeto do conhecer, já que o sujeito possui uma historicidade e carga de conhecimento e experiência prévios contra os quais o objeto do ato de conhecer se articulará para se tornar conhecimento. Cada indivíduo possui sua estrutura única que, ao internalizar ou “metabolizar” o objeto do conhecer, se sujeita à reorganização de sua estrutura, no sentido de que uma desconstrução do conhecimento deverá acontecer para que uma reconstrução do mesmo possa se fazer viável, como nos fala Maturana e Varela (1984). Segundo esses autores, não existe realidade fora do sujeito. “A experiência de qualquer coisa lá fora é validas de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível a ‘coisa’ que surge na descrição. Essa circularidade, esse encadeamento entre ação e experiência (…) nos diz que todo ato de conhecer faz surgir um mundo.” (Maturana e Varela, ibid., pg. 31-32)    

Para Bachelard, a curiosidade deve superar o desejo de criar. Faço uma analogia com as noções de experiência/sentido e informação/opinião propostas e exploradas por Jorge Larrosa Bondía (2002), no sentido de que a curiosidade se assemelha a estar aberto à experiência propiciada no processo do conhecer, enquanto que o desejo de criar pode ser comparado ao desejo de transformar informação em opinião sem no entanto se ter permitido a experiência do conhecer. De fato, Larrosa problematiza a ideia de “aprendizagem significativa” a partir do par informação/opinião, criticando uma pedagogia que assume que a aprendizagem é o mero consumo de informação, e que o que a torna significativa é a formação de uma opinião acerca da informação recebida. Esse é um equívoco que parece ser emblemático na sociedade da informação, segundo Larrosa. Retornarei a essa argumentação mais adiante. 

Entendo aquela afirmação de Bachelard como sendo representativa do processo de transformação do indivíduo em uma espécie de repositório de conhecimento e cultura (ou informação para Larrosa). Tal noção nos remete à crença de que o saber é um fim em si mesmo. É o que Bachelard chama de “cabeça bem feita”, que para ele é uma “cabeça fechada”, um “produto de escola”. O conhecimento de nada nos serve se for um fim em si mesmo. Conhecer deve ter a função de gerar uma experiência. Uma experiência de si mesmo no mundo sob a interferência de determinado objeto de conhecimento. Uma experiência do mundo que emerge da articulação entre sujeito e objeto do conhecer. Conhecer deve, assim, ser um ato dinâmico, em que acontece uma articulação com o sujeito que está na experiência gerada pelo conhecimento. O conhecimento não encontra uma página em branco ou uma tábula rasa quando adentra o indivíduo. Ele (en)contra ou vai de encontro a uma subjetividade que ali existe e que é resultado de conhecimentos/experiências prévias do mundo vividas por aquele sujeito. Dessa maneira, a estrutura deve ser sempre confrontada e reorganizada de forma a incorporar o novo conhecimento. 

Nesse sentido, entendo que de certa forma nós mesmos podemos ser “obstáculos” para o aprender, no sentido de que todo novo aprender se configura “contra” uma estrutura/organização pré-existente. Uma outra dimensão que pode se configurar como obstáculo para o aprender é a nossa própria estrutura biológico-cognitiva, constituída pelo nosso cérebro e sistema nervoso, assim como nossos órgãos dos sentidos.