Segundo Gaston Bachelard (1996) conhecer é criar uma metáfora do real. Nesse sentido, faz-se necessária a consciência de que o sujeito que busca conhecer interfere e transforma o objeto do conhecer, já que o sujeito possui uma historicidade e carga de conhecimento e experiência prévios contra os quais o objeto do ato de conhecer se articulará para se tornar conhecimento. Cada indivíduo possui sua estrutura única que, ao internalizar ou “metabolizar” o objeto do conhecer, se sujeita à reorganização de sua estrutura, no sentido de que uma desconstrução do conhecimento deverá acontecer para que uma reconstrução do mesmo possa se fazer viável, como nos fala Maturana e Varela (1984). Segundo esses autores, não existe realidade fora do sujeito. “A experiência de qualquer coisa lá fora é validas de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível a ‘coisa’ que surge na descrição. Essa circularidade, esse encadeamento entre ação e experiência (…) nos diz que todo ato de conhecer faz surgir um mundo.” (Maturana e Varela, ibid., pg. 31-32)
Para Bachelard, a curiosidade deve superar o desejo de criar. Faço uma analogia com as noções de experiência/sentido e informação/opinião propostas e exploradas por Jorge Larrosa Bondía (2002), no sentido de que a curiosidade se assemelha a estar aberto à experiência propiciada no processo do conhecer, enquanto que o desejo de criar pode ser comparado ao desejo de transformar informação em opinião sem no entanto se ter permitido a experiência do conhecer. De fato, Larrosa problematiza a ideia de “aprendizagem significativa” a partir do par informação/opinião, criticando uma pedagogia que assume que a aprendizagem é o mero consumo de informação, e que o que a torna significativa é a formação de uma opinião acerca da informação recebida. Esse é um equívoco que parece ser emblemático na sociedade da informação, segundo Larrosa. Retornarei a essa argumentação mais adiante.
Entendo aquela afirmação de Bachelard como sendo representativa do processo de transformação do indivíduo em uma espécie de repositório de conhecimento e cultura (ou informação para Larrosa). Tal noção nos remete à crença de que o saber é um fim em si mesmo. É o que Bachelard chama de “cabeça bem feita”, que para ele é uma “cabeça fechada”, um “produto de escola”. O conhecimento de nada nos serve se for um fim em si mesmo. Conhecer deve ter a função de gerar uma experiência. Uma experiência de si mesmo no mundo sob a interferência de determinado objeto de conhecimento. Uma experiência do mundo que emerge da articulação entre sujeito e objeto do conhecer. Conhecer deve, assim, ser um ato dinâmico, em que acontece uma articulação com o sujeito que está na experiência gerada pelo conhecimento. O conhecimento não encontra uma página em branco ou uma tábula rasa quando adentra o indivíduo. Ele (en)contra ou vai de encontro a uma subjetividade que ali existe e que é resultado de conhecimentos/experiências prévias do mundo vividas por aquele sujeito. Dessa maneira, a estrutura deve ser sempre confrontada e reorganizada de forma a incorporar o novo conhecimento.
Nesse sentido, entendo que de certa forma nós mesmos podemos ser “obstáculos” para o aprender, no sentido de que todo novo aprender se configura “contra” uma estrutura/organização pré-existente. Uma outra dimensão que pode se configurar como obstáculo para o aprender é a nossa própria estrutura biológico-cognitiva, constituída pelo nosso cérebro e sistema nervoso, assim como nossos órgãos dos sentidos.